Por mais que o público feminino tenha conquistado espaço, a sociedade ainda enxerga que há papéis que devem ser cumprido por elas


“A mulher deve ocupar lugares específicos na sociedade?” Esta foi a pergunta feita pela reportagem de O TEMPO para algumas pessoas que passavam pela praça Sete, no centro de Belo Horizonte, em uma manhã nublada de terça-feira (5). As respostas, ouvidas tanto do público feminino quanto do masculino, foram variadas.


Houve quem dissesse que as mulheres precisam cumprir certos papéis, como ter filhos e cuidar da família. Por outro lado, também ouviu-se que elas precisam estar exatamente onde desejam estar, independentemente das circunstâncias. Por fim, a reportagem também escutou que, por mais que a mulher tenha direito de ocupar diferentes posições, nem sempre isso é possível. 


A vendedora Núbia Costa, de 51 anos, entende que a mulher pode estar onde deseja, mas não pode “se fazer de vítima da sociedade.” “Falo muito para minha filha ser poderosa, e não empoderada. A mulher poderosa é aquela que consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas mantém uma posição feminina. A mulher deve ser feminina, e não feminista”, opina.


Já o advogado Marcos Ferreira, de 60 anos, acredita que elas precisam cumprir certos papéis. “A mulher pode ocupar qualquer lugar na sociedade, desde que não deixe de ser uma boa mãe, dona de casa e esposa”, palpita.


O lavrador José Aparecido, de 47 anos, por sua vez, considera ultrapassado esse tipo de pensamento. “No passado, era assim, mas hoje tudo evoluiu, e é preconceito achar que as mulheres têm que estar lugares específicos”, analisa.


O farmacêutico Mateus Sanches, de 24 anos, concorda com o lavrador. “As mulheres estão em todos os lugares, graças ao movimento feminista. O lugar das mulheres é onde elas querem estar. E os homens devem apoiar, dar lugar de fala e também saber ficar calado”, indica. 


Já Taís Mendonça, de 47 anos, e sua filha, Noami, mantiveram os pés no chão. “A mulher não tem um lugar especial, ela pode fazer o que lhe cabe e o que lhe convém. Ao mesmo tempo, penso: ‘eu posso ser uma pedreira, mas quero carregar um saco de cimento?’”, questiona Taís. Noami complementa o pensamento da mãe. “Por mais que as mulheres tenham conquistado tantas coisas, ainda é difícil alcançar tudo o que desejam”, analisa. 


A psicóloga clínica especialista em terapia cognitivo-comportamental, Jaqueline Maia, concorda com Noami. “A mulher tem conquistado muitos espaços onde antes não poderia estar, na visão da sociedade. No entanto, há que se considerar que, para muitas situações, estão envolvidas a própria biologia e anatomia corporal, trazendo diferenças significativas entre homens e mulheres, que podem levá-la a uma desvantagem comparada ao homem”, acentua a especialista. 

Sobrecarga mental e emocional

Com o passar dos anos, as mulheres conquistaram lugares antes reservado somente aos homens. Elas passaram, por exemplo, a ocupar mais cadeiras nas universidades, na política e na ciência.


E, se por um lado, isso é positivo, por outro, também pode acarretar sobrecarga mental e física sobre elas, uma vez que, ainda hoje, os afazeres domésticos e familiares são relegados ao público feminino, que acaba por cumprir jornadas duplas ou triplas em suas rotinas. 


Jaqueline avalia que são muitos os desafios enfrentados por mulheres que buscam equilibrar carreira, maternidade e vida social e amorosa. “Há falta de suporte institucional, pressão para atender padrões ideais de maternidade e de carreira. Isso impacta diretamente o bem-estar emocional, profissional e físico das mulheres”, aponta.


Com isso, é normal que, ao fim do dia, as mulheres sintam um cansaço crônico e sequer saibam como sair daquela situação. “A terapia atua, nesse caso, ajudando a mulher a rever suas prioridades e a organizar e otimizar seu tempo e suas tarefas, ensinar a delegar dentro do possível e a se posicionar diante das pessoas diretamente envolvidas em seu cotidiano e suas atividades”, reconhece.

Valorização do trabalho invisível e rede de apoio

Uma maneira de começar a contornar esse problema, na avaliação da psicóloga, é  reconhecer e valorizar o trabalho invisível realizado pelas mulheres. “Uma forma de contribuição da sociedade nessa valorização seria a aprovação de leis que garantam a equidade de gênero, reduções das jornadas de trabalho sem prejuízo de salário para compensar essa parte do cuidado com a casa e os filhos, direito a tempo de ausência para participação de reuniões escolares, dentre outros. Essas alternativas são fundamentais e inevitáveis para uma mulher que tem filhos e precisa manter o lar”, defende a psicóloga.


“Sabemos que muitas empresas concedem de maneira informal alguns desses benefícios, porém, por não estar previsto em lei, grande parte precisa pagar essas horas ou mesmo tê-las descontadas em seus salários. Além disso, as mulheres podem sentir um incômodo por estarem pedindo um ‘favor’ para a empresa”, identifica. 


Fazer um trabalho interno de autoconhecimento também pode ajudar mulheres a encontrarem os locais que realmente desejam estar. “É preciso olhar para dentro, se conhecer e entender o que faz sentido para sua vida. A partir daí, reorganizar sua vida e suas prioridades para encontrar seu equilíbrio. Muitas mulheres acabam assumindo papéis que não precisavam nem gostariam, apenas por querer atender as expectativas da sociedade. Ter esse olhar ajuda a entender e separar o que é seu do que é a expectativa do outro”, diz.


Ela recomenda, além do trabalho terapêutico, se apoiar em outras mulheres. “Vejo que muitas mães se organizam entre elas formando uma rede de apoio própria. Formam grupos de WhatsApp para organizarem carona para escola dos filhos, compartilham dicas de cuidados, se unem para buscar mais apoio e exigir direitos para os filhos, etc. Tudo isso ajuda, mas ainda estamos muito aquém de um apoio substancial para essas mulheres que estão formando a base do futuro da nossa Nação e isso precisa ser muito valorizado”, analisa.


Fonte: O Tempo